.

O Blog do NEATES/RJ é um espaço para divulgação e promoção das atividades do Núcleo Estadual de Assistência Técnica a Empreendimentos Econômicos Solidários no Estado do Rio de Janeiro. É também um canal de comunicação direta com os Empreendimentos Econômicos Solidários, que estão convidados a utilizar esse espaço para debates e informações.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Entrevista de Paul Singer ao O Globo, Razão Social.

Saudações solidárias!

Trazemos a entrevista do O Globo, Razão Social, com o economista e Secretário Nacional de Economia Solidária Paul Singer. O texto também está circulando pelas redes sociais.

"A economia solidária é opção ao capitalismo"

Paul Singer fala sobre a economia solidária, setor no qual o Brasil tem se tornado um dos líderes mundiais.

Entrevista / Paul Singer

Camila Nobrega
camila.nobrega@oglobo.com.br

Na primeira vez que conversei com o economista e Secretário Nacional de Economia Solidária Paul Singer, para uma reportagem sobre negócios sociais da edição passada, sobrou um gosto de quero mais. A longa conversa havia terminado na visão otimista dele, que acredita num futuro cujo modelo econômico dominante será a economia solidária, pilar de uma relação mais humana e igualitária do trabalho. Antes disso, já havíamos passeado por características inerentes ao capitalismo e pelos limites da responsabilidade social atualmente. Mas aquela reportagem não abarcaria a trajetória do economista, considerado responsável pela difusão do conceito de economia solidária no país, que já tem mais de 22 mil empreendimentos no setor. Por isso, voltamos a ele, e o resultado está abaixo.

O GLOBO: O senhor disse que acredita num mundo onde a economia solidária possa mover boa parte da economia. Como se daria essa transição?
PAUL SINGER: Não acreditamos na imposição pela força. O chamado socialismo real foi uma desgraça. O que a gente quer é que as pessoas possam escolher e, nesse sentido, a economia solidária é uma alternativa ao capitalismo.
Sempre que houver alguém querendo empregar e alguém querendo ser empregado, haverá capitalismo. E o fundamental é a democracia.
Mas é preciso que as pessoas possam fazer essa escolha, saber que podem gerir seus próprios negócios, em conjunto. Aos poucos, muita gente tem optado pela economia solidária, porque trata-se não apenas de melhoria na renda, mas de uma relação de trabalho mais humana, que leva em conta a felicidade pessoal.

O GLOBO:Em que contexto surgiram os primeiros empreendimentos solidários no Brasil?
SINGER: Nos anos 1980, quando o Brasil foi apanhado por uma grave crise econômica.
Naquele momento, muitos funcionários foram demitidos e precisavam de uma alternativa para se manter no mercado de trabalho. Foi nosso primeiro contato com o desemprego em massa.
Então, a Cáritas (entidade da Igreja Católica que atua na área dos direitos humanos e do desenvolvimento sustentável solidário), que já estava no Brasil desde 1956, decidiu que não iria só dar de comer aos pobres. A saída foram os projetos alternativos comunitários, com o objetivo de dar trabalho a quem não tinha. Estamos falando de uma época em que a Teologia da Libertação já havia sido difundida na América Latina, tratando de estruturas econômicas injustas e do homem pobre como sujeito de sua própria libertação. É nesse contexto que surgem os primeiros brotos de economia solidária no Brasil.
O GLOBO: É nos anos 1990 que a economia solidária começa a se consolidar no país, certo?
SINGER: Nos anos 1990, a crise só se acentua e o movimento de economia solidária se fortifica, com o mesmo objetivo de se criar opções de empregos para os desempregados, ou de um trabalho mais digno para aqueles que preferiram abandonar uma vaga assalariada. Os sindicatos começam também a apoiar os trabalhadores de empresas falidas, para que eles as assumissem com a gestão compartilhada. Por fim, o Betinho faz a primeira campanha Natal sem Fome. Logo depois do êxito enorme daquela campanha, resolve-se que não basta dar pão. É preciso que a própria vítima da fome possa conseguir seu sustento. É mais um impulso para a economia solidária.

O GLOBO: Quais são as principais características de um empreendimento econômico solidário?
SINGER: São duas principais: propriedade coletiva e voto por cabeça. Todos participam igualmente. São cooperativas, atuando sem investidores. Os donos dos empreendimentos são os próprios trabalhadores e gestores.

O GLOBO: E, para além das questões sociais, há discussões ambientais atreladas?
SINGER: Um dos braços mais importantes da economia solidária são os extrativistas. Chico Mendes foi um dos precursores das cooperativas entre os seringueiros, por exemplo, que até hoje são defensores da economia solidária. E, para eles, preservar é questão de vida ou morte. Se trabalham para uma corporação, eles extraem como se manda, mas se trabalham para si próprios passam a ter cuidados enormes. O mesmo acontece com as quebradeiras de coco.
Essas pessoas estão próximas das florestas, e são as mais afetadas pelo desmatamento. Não vão desmatar, se houver escolha.

O GLOBO: Na maioria dos casos, são redes criadas para facilitar a comercialização de produtos e serviços?
SINGER: Sim. É muito difícil trabalhar isolado, por isso os participantes da economia solidária se unem. São dois tipos de empreendimentos: num deles, os trabalhadores produzem juntos e a única diferença para uma empresa é que trabalham para si próprios. No outro são trabalhadores individuais ou familiares, que fazem parte da economia solidária porque são associados, compram e vendem junto com outras pessoas. Eles juntam a produção, dividem custos da logística e também os lucros. Isso facilita bastante, você não imagina como faz diferença na vida dessas pessoas.

O GLOBO: Quantos empreendimentos existem hoje no setor?
SINGER: Temos um mapeamento de 2007 que localizou 22 mil empreendimentos. Mas o número é ainda maior, pois só conseguimos abranger 52% dos municípios.

O GLOBO: É um número bastante significativo se comparado a outros países...
SINGER: Sim, com certeza. E somos o único país no mundo que possui esse mapeamento. Eu mesmo não acreditava que o crescimento do setor seria tão grande em menos de 20 anos.
Após a criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária, dentro do Ministério do Trabalho, pelo presidente Lula em 2003, o crescimento foi maior ainda. Sendo assim, além das crises que mencionei, tivemos depois apoio do poder público e vontade dos trabalhadores como impulsos. E a maioria fica no setor, não volta mais para o trabalho assalariado. Já são 226 trabalhos acadêmicos sobre o tema, e cada vez mais gente se envolve com a economia solidária.

O GLOBO: Mesmo com o sonho da carteira assinada que existe no Brasil, muitos empreendedores preferem não buscar mais empregos em empresas convencionais?
SINGER: Trata-se de uma libertação das relações de trabalho capitalistas, é um relacionamento mais humano, digno. Há algumas pessoas que ficam um tempo na economia solidária e preferem voltar a uma empresa, porque perderam proteção dos benefícios trabalhistas e do salário certo. Mas a maioria fica, porque é uma melhoria na qualidade de vida, na renda familiar. A ideia é libertar-se do trabalho subordinado, no qual a pessoa ganha um salário para obedecer ordens e, em muitos casos, nem sabe muito sobre o produto final da companhia. Se tiverem estímulo, as pessoas percebem que há outras formas de viver que não a exploração imensa que existe em muitas empresas.

O GLOBO: Há algum tipo de parceria com o setor privado na área?
SINGER: A Igreja é representante do setor privado, assim como os sindicatos. Mas em relação a empresas não há muitas parcerias, porque não há oferta por parte delas. Só consigo lembrar de uma, que é o Consulado da Mulher. A Cônsul entrou em contato, dizendo que tinha máquinas de lavar que eram testadas e não podiam ir para as lojas. Após a proposta, muita gente foi contrária, a incubadora da USP não quis parceria, porque, de fato, somos um movimento social contra o capitalismo. Mas eu fui a favor. Afinal, íamos ajudar umas centenas de mulheres a sair da pobreza, cooperativadas que precisavam de máquinas para prestar serviços. É complicado, mas há empresas e empresas. Já falei para empresários do Instituto Ethos, eles gostam muito, mas não costumam propor nada.

O GLOBO: E os consumidores, sabem o valor de um produto vindo da economia solidária?
SINGER: Existe um esforço na divulgação do comércio justo. O objeto em si tem um histórico por trás que sempre está apresentado de alguma forma. O valor dessa história é inestimável. As pessoas precisam conhecer mais.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

ARTIGO - Leonardo Boff

Saudações solidárias! Trazemos um texto produzido por Leonardo Boff, filósofo e teólogo, que trata a economia solidária de maneira interessante. O texto também está circulando pelas redes sociais.

COMO OPERAR A TRANSIÇÃO DO VELHO PARA O NOVO PARADIGMA

Por Leonardo Boff

Damos por já realizada a demolição crítica do sistema de consumo e de produção capitalista com a cultura materialista que o acompanha. Ou o superamos historicamente ou porá em grande risco a espécie humana.
A solução para a crise não pode vir do próprio sistema que a provocou. Como dizia Einstein: "o pensamento que criou o problema não pode ser o mesmo que o solucionará". Somos obrigados a pensar diferente se quisermos ter futuro para nós e para a biosfera. Por mais que se agravem as crises, como na zona do Euro, a voracidade especulativa não arrefece.

O dramático de nossa situação reside no fato de que não possuimos nenhuma alternativa suficientemente vigororosa e elaborada que venha substituir o atual sistema. Nem por isso, devemos desistir do sonho de um outro mundo possível e necessário. A sensação que vivenciamos foi bem expressa pelo pensador italiano Antônio Gramsci: "o velho resiste em morrer e o novo não consegue nascer".

Mas por todas as partes no mundo há uma vasta semeadura de alternativas, de estilos novos de convivência, de formas diferentes de produção e de consumo. Projetam-se sonhos de outro tipo de geosociedade, mobilizando muitos grupos e movimentos, com a esperança de que algo de novo poderá eclodir no bojo do velho sistema em erosão. Esse movimento mundial ganha visibilidade nos Fórums Sociais Mundiais e recentemente na Cúpula dos Povos pelos direitos da Mãe Terra, realizada em abril de 2010 em Conchabamba na Bolivia.

A história não é linear. Ela se faz por rupturas provocadas pela acumulação de energias, de idéias e de projetos que num dado momento introduzem uma ruptura e então o novo irrompe com vigor a ponto de ganhar a hegemonia sobre todas as outras forças. Instaura-se então outro tempo e começa nova história.

Enquanto isso não ocorrer, temos que ser realistas. Por um lado, devemos buscar alternativas para não ficarmos reféns do velho sistema e, por outro, somos obrigados a estar dentro dele, continuar a produzir, não obstante as constradições, para atender as demandas humanas. Caso contrário, não evitaríamos um colapso coletivo com efeitos dramáticos.

Devemos, portanto, andar sobre as duas pernas: uma no chão do velho sistema e a outra no novo chão, dando ênfase a este último. O grande desafio é como processar a transição entre um sistema consumista que estressa a natureza e sacrifica as pessoas e um sistema de sustentação de toda vida em harmonia com a Mãe Terra, com respeito aos limites de cada ecossistema e com uma distribuição equitativa dos bens naturais e industriais que tivermos produzido. Trocando idéias em Cochabamba com o conhecido sociólogo belga François Houtart, um dos bons observadores das atuais transformações, convergimos nestes pontos para a transição do velho para o novo.

Nossos paises do Sul devem em primeiro lugar, lutar, ainda dentro do sistema vigente, por normas ecológicas e regulações que preservem o mais possível os bens e os serviços naturais ou trate sua utilização de forma socialmente responsável.

Em segundo lugar, que os paises do grande Sul, especialmente o Brasil, não sejam reduzidos a meros exportadores de matérias primas, mas que incorporem tecnologias que dêem valor agregado a seus produtos, criem inovações tecnologias e orientem a economia para o mercado interno.

Em terceiro lugar, que exijam dos paises importadores que poluam o menos possível e que contribuam financeiramente para a preservação e regeneração ecológica dos bens naturais que importam.

Em quarto lugar, que cobrem uma legislação ambiental internacional mais rigorosa para aqueles que menos respeitam os preceitos de uma produção ecologicamente sustentável, socialmente justa, aqueles que relaxam na adaptação e na mitigação dos efeitos do aquecimento global e que introduzem medidas protecionistas em suas economias.

O mais importante de tudo, no entanto, é formar uma coalizão de forças a partir de governos, instituições, igrejas, centros de pesquisa e pensamento, movimentos sociais, ONGs e todo tipo de pessoas ao redor de valores e princípios coletivamente partilhados, bem expressos na Carta da Terra, na Declaração dos Direitos da Mãe Terra ou na Declaração Universal do Bem Comum da Terra e da Humanidade (texto básico do incipiente projeto da reinvenção da ONU) e no Bem Viver das culturas originárias das Américas.

Destes valores e principios se espera a criação de instituições globais e, quem sabe, se organize a governança planetária que tenha como propósito preservar a integridade e vitalidade da Mãe Terra, garantir as condições do sistema-vida, erradicar a fome, as doenças letais e forjar as condições para uma paz duradoura entre os povos e com a Mãe Terra.

Julho 2010
(Envolverde/O autor)